20 julho, 2015

Devaneios - Conto


            A luta constante por um lugar ao sol acabara por me deixar exausto. Encontrava-me esgotado de toda a vontade, todo desejo de vida que pudesse ter. Meu caminho solitário já era um companheiro por demais rabugento, minhas pequenas posses eram fardos pesados demais para ombros cansados de suportar o peso da indiferença.

            Não sei dizer por quanto tempo fiquei nessa condição. Não saberia afirmar se saí realmente dela. O que sei é que a tristeza enfadonha de minha rotina me impregnou de tal forma que eu já não sabia onde iniciava meu eu e o fedor da minha alma. Ambos eram a mesma coisa, talvez.
            Como se fazer notar em meio a tantas pessoas comuns como eu? Como saber diferenciar o que eu tinha de diferente daqueles outros? Nada em minha vida me preparou para esse tipo de avaliação, nada podia me responder esses questionamentos. Hoje sei. Eu era um pobre, ordinário, burro e com mau gosto.
            Não soube agir como devia; não soube dizer o que precisava ser dito; não soube calar na hora certa; não soube estender a mão e nem pedir perdão; fui rude e violento desnecessariamente; abri mão de pessoas que gostava por não saber expressar meus sentimentos. Enfim, vivi uma vida comum. Como todo bom homem de família.
            Mas chega uma hora em que tudo cansa, talvez por perceber que as coisas se repetem, ou por adquirir discernimento e esperteza. A experiência nos traz certos conhecimentos que não gostaríamos de ter, mas que nos fazem pensar sobre a vida. Ao fazer isso fiquei deprimido, enjoado. Passei dias ruins, me sentindo mal.
            Busquei as respostas às perguntas que me assombravam, me surpreendendo com as soluções. Poderia ter parado por ali, me contentando em saber um pouco mais, matando aquela curiosidade. No entanto, algo me deixou inquieto, arredio.
            Não bastava mais comer um churrasco, tomar umas cervejas, ouvir meu pagode preferido e jogar um futebol com os amigos. Isso ainda não me deixava feliz, completo. A tristeza veio e com ela uma vontade de ser diferente, de tentar coisas diferentes. Pensei que estava doente, estressado ou algo assim. Depois de consultas no psiquiatra do posto de saúde, depois de conversar com amigos, parentes e pessoas mais velhas eu sabia o que devia fazer: ignorar a todos e buscar fazer o que eu nunca pude.
            Pensei em começar por pequenas coisas. Mudei a marca de xampu. Parei de olhar os mesmos programas de televisão; comecei a ler o jornal inteiro e não apenas as sessões de esportes, policial e variedades; procurei andar por lugares que não conhecia em minha cidade; pratiquei dança, musculação e curso de pintura numa ONG da comunidade; saí para conhecer pessoas, conversar e aprender.
            Com esforço, voltei a estudar para terminar o ensino básico. Quando vi que não foi tão difícil, me animei a tentar o Ensino Médio. Consegui uma vaga, estudava à noite e me dediquei bastante para concluir tudo num supletivo. Aprendi a ler com mais calma, saboreando os textos.
            Quando percebi tinham-se passado alguns anos. Minha vida mudara, meus filhos cresceram fortes, saudáveis, boas pessoas; meu mundo se expandira, minha alma se purificou graças aos meus esforços. E eu estava mais confiante, corajoso com relação ao desconhecido da vida. Perdi amigos, pessoas que não puderam ou não quiseram me acompanhar; feri outros, magoei uns tantos. E nisso tudo, pude entender muitas coisas.
            Por que é tão difícil fazer isso quando temos tempo e condições para tal? Na infância somos tolhidos por nossos impacientes pais, incapazes de responder a tantas questões de seus filhos. Ou porque realmente não sabem o que dizer...  Na adolescência somos rotulados de rebeldes, de inconformados e qualquer pergunta já é vista como um sintoma de transgressão. Leve-se em conta que muitas vezes um adolescente nem sabe formular a pergunta que o incomoda. E quando adultos? Somente com muita força de vontade e algum sentimento muito forte de descontentamento é que se pode mudar.

            Eu me fiz notar, para os outros e para eu mesmo, de forma a ser reconhecido como um ser humano, uma pessoa, um indivíduo. E isso é a maior conquista que podemos nos dar. Agir, buscar, aprender; depois usar do que se sabe, ser responsável por isso tudo, por esse mundo que temos em comum.

2 comentários:

  1. kkkkkk.

    Concordo que somente somos obrigados a mudar quando sentimos condições extremas. Isto vem da falta de equilíbrio, nossa inesgotável fonte de problemas. Razão de nossa moral imoral e nossa ética metida a absoluta.

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