03 outubro, 2012

Racionalidade Programada?

     Temos o constante hábito de pensar em nossa forma de pensar como algo que está pronto e acabado num sentido biológico e físico, e em construção em um sentido social ou psicológico. Mas e se as questões fundamentais em termos de racionalidade não se resumirem a isso? E se, de alguma forma, temos uma organização mais complexa, mais distanciada de nossos próprios conceitos e linguagem?
     Entendo que devamos partir de princípios norteadores ou definições para poder avançar em qualquer debate ou teoria que se deseja ser minimamente entendida por outras pessoas que não eu mesmo; compreendo a importância de organizar e categoriazr certos conceitos, saberes. Mas mesmo isso parece insuficiente se levamos em conta as diversidades de nossa racionalidade. Não me mparece que devamos tomá-la por uma ideia fechada, capaz de abarcar os diversos enfoques que se dão à sua compreensão, seu estudo.
     Somente extrapolando os limites das "regras" que dão sentido ao pensar é que alcançamos certas intuições. É possível pensar sem linguagem? Como posso garantir que o que percebo é o mesmo que outros percebem? Por que posso conhecer coisas? Como a memória pode nos remeter a ideias de algo passado? Podemos confiar na memória? Eu penso dessa forma por que meu corpo e mente são assim também, ou por uma construção já modificada de minhas vivências em sociedade?
     Por essas questões já podemos ter uma dimensão do problema que coloco em evidência aqui. Num certo sentido, ganhamos experiência e vivência capazes de modificar nossas formas de pensar o próprio mundo, que nos modificam e transformam em relação ao que éramos antes, nos trazem maturidade e podem nos fazer aprender coisas impensadas. A observação intuitiva disso nos diz que somos diferentes de, digamos, dez anos atrás.
     No entanto, num sentido biológico estamos pré-programados a agir e pensar de determinada maneira. O homem foca sua atenção em busca de objetivos, ignorando detalhes não relacionados à ele que estejam ao seu redor. Isso é uma herança dos tempos antigos, quando era necessário caçar para sobreviver, permanecendo em nossa estrutura neurológica e passada geneticamente. Podemos aceitar isso também de modo intuitivo e inclusive seguir o raciocínio e justificar muitas atitudes comuns e impensadas nesse nível quase instintivo ou inconsciente.
     Mas, sabendo dessa distinção (muito básica, por sinal!), podemos admitir novas formas de pensar, que fujam desse esquema neuronal-social-psicológico-empírico? Podemos tentar imaginar algo que não se ponha em evidência primeiro em nossa imaginação (e com isso, ficando condicionada aos nossos esquemas de pensar) e linguagem, antes de qualquer racionalidade conhecida?
     Imaginemos um modo de pensar não masculino na Grécia antiga, por exemplo. O próprio esquema de mundo organizado de modo a explicar conceitos intelectuais poderia ser falso. Talvez as mulheres tivessem ajudado, mostrando a importância de uma abordagem mais emocional, mais integradora, não tão sistematizada. E se o domínio fosse feminino? Teríamos possivelmente uma forma de pensar mais intuitiva, com pouca importância aos conceitos racionais justificados (que nbão conseguem até hoje abarcar a realidade do mundo e o homem).
     E se não tivéssemos a ideia pressuposta de que a linguagem pode se referir diretamente a coisas do mundo? Como poderíamos nos comunicar, passar informações e conhecimentos acerca da realidade, sem esse pressuposto? Teríamos que construir conceitos e propostas a cada novo interlocutor (possivelmente criando linguagens e significações próprias a cada relação com indivíduos), não tomando como pressuposto ou condição um entendimento de signos e sons. Seria muito difícil.
     Mas o caso é que temos conceitos, temos linguagem, temos sentidos e significações. Temos formas de pensar programadas, por bem ou por mal, para nos dar suporte à existência nesse mundo e nos conectar a outros seres como nós. Nossa mente trabalha constantemente no sentido de aprender, desenvolver relações e guardar na memória. Talvez seja assim mesmo, num nível biológico; ou talvez seja assim mesmo pela forma como começamos a definir, pela linguagem, os conceitos de "mente", "conhecer", "aprender", "memória", "relação", "humanos" que acabaram por, historicamente, nos definir como humanos.
     Qualquer que seja o caso, a filosofia tem como missão questionar e perverter essas formas de pensar, deve sempre colocar em xeque as formas de racionalidade programada, desacomodar os sentidos e significados mais profundos. A pressuposição de que podemos entender todas as coisas a partir da linguagem e do entendimento é o alvo primeiro. Os sentidos e a percepção vêm em seguida. Talvez depois a p´ropria concepção de aprender e conhecer...
     O importante é guardar a ideia de que o filósofo é o questionador por excelência, o que deve ser chato, inquisidor de teorias que ninguém mais deseja pensar, aquele que ousa o que ninguém mais imagina possível. Temos tantas ideias boas e acabamos afundados nos mesmos pressupostos que todos os outros. É preciso fugir disso, testar os limites de nossa programação, de nossa racionalidade. 
    

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