18 abril, 2011

Um Outro Eu

     Enquanto olho o espelho à minha frente percebo as marcas do tempo em minha face úmida. Contemplo com desdém as rugas, os olhos cansados demais, a boca retesada, o rosto com manchas e marcado por décadas de expressões variadas.

     Não sei dizer se me assusto com a visão que o espelho me traz, além de apenas me limitar a enxugar o rosto, ainda visualisando os detalhes do meu envelhecimento. Na verdade, não sou velho, não chegarei
à terceira idade tão cedo; entretanto, parece que me surpreendi com a constatação de que a idade avança e que a decrepitude alcança inexorável, até o mais jovem dos homens ao longo de sua vida.

     Acho que era mais magro; lembro de ter mais cabelo, a cor deles também era mais viva. Os dentes não eram tão amarelos, os olhos não pareciam estar caídos; o que quer que eu hoje olhe, é de outra pessoa, não meu.

     Ou será que eu sou assim. Sempre fui; vou ser. O meu eu do espelho, que me contempla de volta, parece triste e cansado, não tem mais a jovialidade dos anos de solteiro. Não parece tão satisfeito com as escolhas que eu fiz. Ele sofre por tudo que eu decidi fazer de minha vida. Fumar, beber, comer demais, dormir de menos, ignorar os exercícios físicos. Eu fui – ou tenho sido – um descuidado, um relapso com a saúde.

     O vapor de água do banheiro embaça o vidro do espelho, retiro com a mão o excesso e volto aos detalhes do meu reflexo. Por um longo instante me deixo levar pela gloriosa visão de mim mesmo, num nível tão pessoal e de tamanha cumplicidade com minhas marcas, que chego a mapear minha vida nas expressões do rosto, nos pés-de-galinha que serviram de placas das minhas preocupações.

     Quando me recupero, estou observando um homem ainda orgulhoso, sem tanta vivacidade, mas ainda não derrotado pelo marasmo da existência. Disposto a me refazer totalmente nos próximos anos de vida, imagino por um instante esse rosto mais velho. Imagino a velhice a destruir os últimos traços em que me reconheço e me gosto.

     No entanto, estou pronto para sair de casa. Hoje ainda não fui vencido pela nostalgia, a tristeza não veio. Com o espelho reaprendi a me ver, com ele reaprendi a aceitar as experiências que tive, a gostar outra vez de coisas que me marcaram; pude ser mais uma vez quem eu sou.

     Nesse novo aniversário, considero-me um homem feliz. Realizei muito, amei muito e sofri muito. Errei, acertei, chorei, sorri, entendi, fugi. Aceito minha vida e reconheço o rosto que me define, com todas essas lembranças, através do espelho. É um outro eu, mas sou eu mesmo. É um ser que projeto e me completa, na minha visão. Que bom que existem espelhos.

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