25 fevereiro, 2011

Papel - redefinindo a palavra

A busca de uma redefinição para uma palavra parece ser um processo fácil; no entanto, a prática demonstra sua complexidade e desafio. Repensar o conceito implícito na definição pode nos levar a uma busca intensa por sentidos, idéias e conotações antes ignoradas. O desafio desse texto se concentra numa palavra comum, substantivo, objeto.


Papel: é uma substância feita de matéria fibrosa, preparada em folhas delgadas para escrever, embrulhar ou envolver algo. É bidimensional, maleável e capaz de ser marcado por tintas, grafite e outros meios. Vem da celulose, adquirida das árvores. Essa é sua definição direta, vinda da natureza e de sua criação pelo homem.

Todos os dias usamos essa fabulosa invenção para escrever idéias, conceitos, sobre objetos, números, desenhos e tudo mais que nossa imaginação e linguagem sejam capazes de expressar, vindas do pensamento. A expressão de idéias nesse contexto é a maneira mais básica de utilização do papel, a imagem tomando forma inteligível e compreensível para outras pessoas que não o utilizador do papel.

O papel é o objeto desse escrever, muitas vezes invisível, despercebido por quem o utiliza. As letras, desenhos, riscos e rabiscos colocam-se numa dimensão plana, como nós, e tudo que nos cerca, nos colocamos perante o universo. Somos planos perante o universo, será? O ser plano significa ser básico, simplista em relação ao mundo e nossas relações com ele. Limitados ao comum, ao que pode ser facilmente percebido, como as figuras num papel.

O papel é nosso universo em miniatura, bidimensional, finito; apesar disso é repleto de possibilidades simplesmente por estar em branco. Uma folha em branco chega a ser intimidadora a quem pretende nela escrever. O papel não escrito é onde nós, brincando de deuses, criamos. A criação de desenhos complexos reflete nossa vida complexa. Somos capazes de ser extremamente detalhistas em um texto ou desenho e tornar o papel, mensageiro de nossa imaginação ilimitada (ou limitada?), demonstrando a profundidade não expressa de nosso ser, nossa mente. A bidimensionalidade já não é mais limitante. Para tanto dependemos da linguagem e do quanto a conhecemos. Quanto mais amigo das letras, mais livre e “enorme” será o papel. Os desenhos em técnicas avançadas podem causar o mesmo efeito, criam a ilusão de tridimensionalidade.

Branco, liso, reciclado, pautado, fino ou grande, não faz diferença para a criação. O papel foi usado para eternizar idéias, pensamentos, sensações. Estudamos usando o papel (livros), desenvolvemos o raciocínio com seu auxílio (matemática), desenhamos, colocamos nossos códigos de leis, nossa vida, impressa nele. A linguagem escrita é a maneira mais fácil e ao mesmo tempo mais complexa de se usar do papel. Isso se revela a cada vez que temos que falar de algo. O dizer é uma coisa, escrever num papel é outra, bem diferente, nos exigindo mais responsabilidade pelo que será expresso.

O papel pode ser sinônimo de bengala, no sentido de dar apoio à linguagem. Ele serve de marco ao que foi dito ou pensado. Sem um papel em que esteja escrito seu nome, por exemplo, não se pode afirmar que uma pessoa concorde com um contrato. É a idéia sendo definida em um espaço físico, de modo que outros a entendam. Delimitação significa colocar barreiras, muros. Mas realmente não é possível escrever indefinidamente num papel. Uma hora, ele acabará. E essa bengala, se mostra bem curta para alguns que não sabem como “caminhar” com a linguagem.

Pode também ser sinônimo de prisão da palavra. Depois de escrito não pode ser mudado. Em muitos casos, é a maneira em que mais se conhece o papel, por prender as palavras num espaço físico e determinado, de uma forma que não pode ser apagado. O papel é um paradoxo, no sentido de sugerir idéias ilimitadas, mas quanto mais escrevemos ou desenhamos, ocupando seu espaço, mais percebemos sua finitude. Essa prisão, esse laço, parece agora fazer-se presente, ao me lembrar do fim da página.

Mas, filosoficamente, o papel seria o parque de diversões do pensamento, das idéias. Com o papel é possível ordenar aquelas coisas que ficam pulsando em nossa mente, é possível escrever conceitos e relê-los, analisá-los. O papel é uma ferramenta de auxílio ao pensador, o instrumento do poeta e escritor; é o melhor amigo de qualquer pessoa que tenha algo a transmitir a muitas outras e pretende que sua idéia tome forma física palpável, sensível aos sentidos, seja com a escrita ou com arte; é o objeto pelo qual o indivíduo dá forma a seu pensamento. Como se dá essa formação e como consegue colocar as idéias, depende de sua habilidade, talento e expressão. Em essência, depende do conhecimento da linguagem, aliado ao fiel escudeiro, o papel.

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