06 julho, 2009

Resenha: O Anticristo, Nietzsche

     Nesse livro Nietzsche trata especificamente da questão do cristianismo. A crítica feroz com que ataca os seguidores da religião cristã complementa o que foi apresentado em sua outra obra, A Genealogia da Moral (1887).
     O autor já começa questionando o que é o bom? O que é o mau? O que é a felicidade? E parte daí para uma complexa rede de argumentação onde demonstra como a religião cristã se apoderou de fraquezas do espírito, tornando-as sua força, invertendo os valores da Antiguidade. A compaixão é vista como a principal fraqueza do homem, pois é contrária aos impulsos vitais mais básicos e naturais. A maneira de agregar os excluídos é um vício do qual o Império Romano se contagiou, a ponto de declarar legal, e depois oficial, a religião dos plebeus.
     Nietzsche ataca o teólogo, a figura que cria essa religião anti-natural; ataca o psicologismo deturpado que perpetuou a religião cristã. Chega a afimar que “o único cristão que existiu morreu na cruz”. Os valores éticos do cristianismo são os valores do plebeu, do excluído, movidos pelo ódio aos nobres e não por amor ao próximo. A noção de pecado, juízo final, alma, punição e outros, são todas armadilhas do espírito. O cristão fica preso nessa teia engendrada para dominar as vontades livres e “igualar” os seres humanos.
     Ele demonstra ao longo do livro seu conhecimento das Escrituras e seu argumento se torna mais forte. Deus é visto com várias faces, várias maneiras de agir. Refletem as idéias de cada tempo e cada necessidade das classes sacerdotais judaicas. O fato de a Europa ter se tornado cristã o irrita, pois demonstra uma fraqueza de espírito que ele não consegue suportar.
     Ao longo da obra, sua crítica atinge a tudo que o cristianismo prega ou defende como válido e Nietzsche procura embasar seus argumentos para demonstrar sua teoria.
Termino essa pequena resenha com a transcrição de parte do capítulo 62:
     “... A igreja cristã não poupou nada em sua corrupção, de todo valor fez um não-valor, de toda verdade fez uma mentira, de toda integridade uma vilania da alma. Que se atrevam ainda a me falar de seus benefícios “humanitários”! Suprimir uma miséria qualquer ia ao encontro de seu interesse mais profundo; ela viveu de misérias, ela criou misérias para se perpetuar... Por exemplo, o verme do pecado: é com essa miséria que a igreja para começar presenteou a humanidade! A igualdade das almas perante Deus, essa hipocrisia, esse pretexto para o rancor de todas as almas vis, essa noção explosiva que terminou por se converter em revolução, em idéia moderna e princípio de decadência de toda ordem social – é a dinamite cristã... Benefícios “humanitários” do cristianismo! Fazer da humanitas ( humanidade, caráter) uma autocontradição, uma arte da ignomínia de si, uma vontade de mentira a todo custo, um desprezo por todos os instintos bons e honestos.”

16 comentários:

  1. Excelente resenha. Eu acabei de ler esse livro e estou tentando resenhar também, mas acho que vou ter que ler de novo pois estou muito "crua" no assunto. hahaha. Abraços.

    ResponderExcluir
  2. Obrigado Hélida!
    Dê uma olhada em uma outra postagem minha: Nietzsche e a Criação de Valores. Ali eu apresento de forma resumida os valores que norteiam todas as obras dele.
    Do próprio autor, seria bom ler Além do Bem e do Mal e a Genealogia da Moral para entender bem o porque de sua crítica feroz ao cristianismo e às demais religiões.
    Um abraço.
    Alex Matner

    ResponderExcluir
  3. Eu ia até ler o livro, mas ta boom essa resenha...
    Vlw

    ResponderExcluir
  4. GOSTEI MUITO DA RESENHA, QUE VC CONTINUE CONTRIBUINDO PARA O ESCLARECIMENTO DE TAIS IDEIAS. OBG

    ResponderExcluir
  5. O conhecimento bíblico que nietzshe apresenta é apenas de lembrar-se de textos, não de compreendê-los...leia-se os dois lados...fica a dica...nietzshe citou uns 15 veículos ou menos...a Bíblia só há somente alguns milhares...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Na verdade, Nietzsche era neto e filho de pastores. Foi educado com leituras bíblicas, conhecia a fundo o assunto, conforme atestam seus biógrafos e seus escritos (conjunto de sua obra).
      Ele usa apenas algumas passagens como forma de reforçar e demonstrar os argumentos que ele está defendendo, como qualquer filósofo ou pesquisador faz.
      Leia-se os dois lados: Nietzsche tem mais de 10 livros publicados, procure compreender sua filosofia, entender sua crítica. Depois repense se ele realmente não sabia do que estava falando.

      Excluir
    2. Bem Alex do meu ponto de vista, veja bem...ser filho de pastor, neto de pastor e ler a Bíblia (ou qualquer outro livro) não implica em entendimento. Tenho certeza que vossa excelência observou que há centenas de seguimentos religiosos que alegam conhecer e aplicar verdades bíblicas, porém tais seguimentos apresentam divergências exorbitantes. isso nos diz no mínimo que pessoas entendem esse livro do seu modo, às vezes como querem ver... Quem nos garante que o pai de Nietzsche e o avô dele entendiam realmente o que ensinavam a seu descendente?
      Quem nos responderá fidedignamente que aquele filósofo - nascido e crescido em tempos de divórcio entre a religião e "os pensadores" da época, que estavam em sua maioria firmados no dogma do "homem no centro do universo" e em teorias como da evolução e tantas outras que com o passar do tempo, com novas descobertas nas ciências HONESTAS ( que não são necessariamente religiosa - muito pelo contrario), entraram em declínio e que com certeza "bebeu dessa água" ainda bem jovem,- não estava tomado simplesmente por aquele “sentimento adolescente ( renascentista e pós-renascentista ) de abrir a boca e falar descontente o que quer, alegando VEEMENTEMENTE que está certo? Ora, não foi exatamente o que Nietzsche fez?
      Nietzsche critica por exemplo o uso por parte dos “chandala” de ficções como a imortalidade da alma e inferno de fogo para dominar os fracos...isto é verdade. De fato os ditos “cristãos” de sua época realmente (“ entre otras cositas mas”) o faziam. Pergunto-me agora – Nietzsche pulou partes em sua leitura como Eclesiastes 9: 5-10 – que fala que mortos não tem consciência de nada nem tem atividade alguma? Por acaso passou por auto pontos como Mateus 6:30, que compara fogo à extinção e destruição?
      Ate que ponto Nietzsche leu e COMPREEDEU realmente?
      Ate que ponto voz leste e compreendeste?...sei que você ira provavelmente argumentar que são dois versículos de um imenso livro contraditório...então, por favor, se voz sois realmente um homem leal consigo mesmo – como propõe o nosso alemão em destaque - leia por favor e caso seja plausível, contradiga-a!!!... não com ações de quem dizia entender e obedecer tal livro. leia o livro!! Não são somente esse dois pontos...mas não vou escrever a bíblia por completo aqui.

      Senhor Alex, com todo respeito eu publiquei: “leia-se os dois lados”, vossa excelência me respondeu com argumentos sobre a vida de Nietzsche. Ou seja tu olhaste novamente para o mesmo lado...?!!
      Respeitosamente!

      Excluir
    3. Oba! Um debate sério!
      Acho que entendo o que queres dizer, apenas discordo por ter estudado a fundo a obra de Nietzsche, incluindo aí os comentadores principais e suas obras póstumas, quase desconhecidas no Brasil.
      Só quis demonstrar que ele tinha entendimento da bíblia e a conhecia bem. Ele tinha UM ENTENDIMENTO. Tu tens OUTRO ENTENDIMENTO. As diversas vertentes teológicas tem cada uma outro entendimento, como disseste.
      Tu falas em garantias, de que ele pode estar repetindo coisas dee seu tempo... E não é sempre assim? É muito difícil para qualquer pessoa escapar das ideias de seu tempo. Note que não concordo com isso. Pelo que conheço do filósofo, ele defende suas ideias e demonstra em outros livros suas ideias e conceitos, não apenas no O Anticristo.
      O que tu chamas de compreender? Me parece que tu queres que ele tenha a mesma compreensão que tu tens da bíblia, ou que ele deveria ter tido uma interpretação diferente, pelo menos.
      O que ocorre é que a bíblia não despertou a fé em Nietzsche, pelo contrário, lhe apontou uma série de contradições e paralelos com as filosofias antigas, especialmente Platão. Isso o fez voltar-se para a filosofia e às ciências para explicar os mistérios de seu mundo e de seu tempo. Exatamente como cada filósofo faz. Foi assim que ele construiu sua rede de conceitos e tece seu conhecimento e seu entendimento da realidade, incluindo a religião e os aspectos morais.
      Eu apenas retornei ao filósofo para reforçar que ele sabia sim o que dizia sobre o cristianismo. Ele leu a bíblia. Ele a interpretou, tanto quanto qualquer pessoa pode fazer, mas também como um processo hermenêutico profundo, procurando explicitar isso em sua obra.
      Eu li a bíblia quando tinha entre 14 e 17 anos. Não vou reler partes dela para contradizer as passagens que tu trouxeste ao debate. Não será necessário. Se eu o fizer, não estaremos mais fazendo filosofia e sim um debate teológico, o que não é minha intenção aqui nesse blog.
      Respeito as decisões pessoais de cada pessoa quanto à religião e crenças. Mas se queres sugerir que Nietzsche não compreendeu a bíblia é porque estás comparando com sua própria compreensão dela. E voltar ao próprio livro para provar a posição A ou B de um argumento só vai nos deixar dogmáticos, coisa que Nietzsche e eu não apreciamos!
      Insisto: procure ler as obras de Nietzsche (Gaia Ciência, Além do Bem e do Mal, Sobre a Verdade e a Mentira num Sentido Extra-moral, Aurora). Ao longo de seus livros é que as suas ideias fazem sentido. Essa pequena resenha de UM livro não dá conta do experimentalismo e do perspectivismo nitzschianos, essenciais para entender como ele formula suas ideias, desenvolve os conceitos de Vontade de Potência, Eterno Retorno, Amor Fati, para só depois chegar à Transvaloração e ao Além do Homem.
      Grande abraço!

      Excluir
  6. Como a própria Biblia sofre com os problemas de tradução, o titulo do livro em nossa lingua tb pode deturbar a ideia do livro. Seria o anticristo ou o anticristão? No livro existe até certo culto da personalidade de cristo que é visto como um espirito livre.

    ResponderExcluir
  7. Nietzche em nenhum momento no referido livro nega a existência de Deus ou da Bíblia, ele somente discorre sobre o quão mal a religião cristã faz aos seus fiéis, com dogmas e verdades que ninguém pode discordar, a realidade é que o cristão pensa que está luz e sabe a verdade, sendo que o que acontece é bem o contrário.
    Nietzche somente desconhecia um fato, de que nem todos os seres humanos querem pensar - A realidade é que muitos desejam que alguém pense e tome decisões por si. E principalmente de que a grande maioria não quer, e não esta preparada para a verdade.

    ResponderExcluir
  8. Quando Nietzche escreveu O Anticristo em nenhum momento ele nega a Bíblia ou a existência de Deus, ele apenas queria que os seres humanos não fossem tão cegos, a ponto de acreditar em tudo que lhes é dito. Principalmente a religião cristã que prega valores e dogmas, e ninguém pode contrária-los ou discordar, bem na verdade o cristã pensa que está na luz que sabe a verdade, porém quem disse que existe verdade absoluta.
    Nietzche somente desconhecia um fato, de que nem todos os homens querem ou estão preparados para a verdade.

    ResponderExcluir
  9. Muito bom, agradeço muito por compartilhar seus conhecimentos gratuitamente! Um abraço.

    ResponderExcluir
  10. Eu começei a ler O Anticristo recentemente e assumo que a principio tive uma certa dificuldade de entender o que o filósofo dizia. Porém aos poucos estou tendo uma maior compreensão da obra e esta resenha corroborou bastante para meu exclarecimento. Tenho ainda uma duvida; no texto Nietzche se mostra benevolente com o Budismo que considera muito mais como um filosofia de vida do que uma religião. Qual sua interpretação para essa empatia? grato..

    ResponderExcluir
  11. Debate de excelente nível, com muito respeito, adorei.
    Nietzsche demonstra empatia pelo budismo pela influencia de Arthur Schopenhauer.

    ResponderExcluir
  12. A empatia de Nietzsche com o budismo se deve a influência de Schopenhauer. Este último é mais claro em relação ao budismo

    ResponderExcluir